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Pandemia escancarou falta de leitos e estresse de profissionais, diz criador da UTI do Einstein


14/05/2020
 
Elias Knobel tinha apenas 28 anos quando foi incumbido da missão de implantar uma unidade especializada no atendimento a pacientes críticos no Hospital Israelita Albert Einstein. Novidade na época, a UTI do hospitsl foi inaugurada em 1972.
 
Quase cinco décadas trabalhando em UTIs, que hoje estão no centro do debate dos cuidados médicos na pandemia da Covid-19, o cardiologista de 76 anos diz que se sente frágil ao ter que enfrentar a morte de pacientes. "Eu vejo um paciente que fica na UTI que se despede e as lágrimas correm."
 
O médico afirma que a pandemia de Covid-19 só escancarou a realidade estressante dos profissionais nas UTIs e a escassez de leitos, antes distante das classes brasileiras mais abastadas.
 
“Todo mundo está perplexo com falta de leitos de UTI, estarrecido com a falta de respiradores. Mas o problema é que quem trabalha em UTI vive esse problema no Brasil. O Brasil é um continente, tem vários Brasis. A polêmica do último leito e de quem vai usar o único respirador que tem é antiga. Isso nós vivemos há muito tempo”, afirma Knobel.
 
“Agora as portas da UTI foram abertas para o povo, que fica estarrecido vendo um enfermeiro na frente de batalha se contaminando, um médico esgotado, com a face de sofrimento que todos têm. E eles continuam trabalhando”, afirma Knobel.
 
Por ser do grupo de risco da Covid-19, Knobel não está na linha de frente contra o novo coronavírus. Mas será durante a pandemia que completará, no dia 18 de maio, 48 anos a frente da UTI do Einstein.
 
“À medida que vou ficando mais velho, vou me aproximando da despedida. Não é nada trágico. É a história natural da vida.” 
 
O senhor está na linha de frente da UTI do Einstein contra a Covid-19?
Estou sendo discriminado, entre aspas, pela idade. Tenho 76 anos, levanto todo dia às 5h30, vou dormir às 23h, meia-noite, tenho consultório todo dia. Mas agora estou usando o bom senso, estou recolhido. Tenho tido muita experiencia com teleconsulta e telemedicina. Uma vez ou outra vou ao hospital e não entro em contato com pacientes na UTI e nas enfermeiras.
 
Mas acompanhei todo o preparo em relação à pandemia. Já passei situações difíceis e semelhantes na minha carreira, como na época em que apareceu a Aids, em 1974 com a epidemia de meningite, o H1N1 recentemente. Estamos enfrentando mais uma e vai um bom tempo nela ainda.
 
Como a pandemia de Covid-19 é comparável a essas outras situações?
Essa do coronavírus eu confesso que, até certo ponto, pegou a gente de surpresa. No começo a Organização Mundial de Saúde relutou em declarar uma pandemia.
 
Na de H1N1, nós tínhamos o tamiflu como uma medicação antiviral, estávamos com uma estrutura bem montada e não tivemos uma enxurrada de pacientes de uma vez só. Isso atenuou.
 
Na época do HIV, o Einstein foi o primeiro hospital a abertamente internar pacientes com Aids na UTI. Tinha uma ala no prédio onde ficavam esses pacientes. Tive uma experiência de vida naquela época. No começo tínhamos receio de nos contaminar com o HIV. Com o tempo fomos percebendo que quem era frágil era o paciente. Mas vi profissionais se espetando com agulha e tendo que se tratar.
 
Agora envolve um grande trabalho físico e emocional. O pessoal está se desgastando e o que a mídia percebe é só a ponta do iceberg. A base do iceberg é terrível.
 
Mesmo sem estar presente, você sente esse impacto emocional?
O impacto emocional começou antes. Todo mundo enaltece os profissionais de saúde, todo mundo está perplexo com falta de leitos de UTI, estarrecidos com falta de respiradores. Mas quem trabalha em UTI vive esse problema no Brasil. A polêmica do último leito e de quem vai usar o único respirador disponível é antiga. Isso nós vivemos há muito tempo sempre que se sai de um parâmetro de equilíbrio.
 
O Brasil nunca se preparou para uma assistência básica no mínimo decente. Se o governo tivesse utilizado medidas preventivas, uma fração do que está se gastando agora com compras de emergência e montando UTIs de campanha... Uma parte pequena disso seria suficiente para começar uma infraestrutura básica decente de saúde.
 
Há muitas UTIs públicas muito boas, mas isso sempre esbarra no recurso. Alguns políticos de um nível discutível preferem construir um viaduto do que infraestrutura sanitária. A UTI não aparece muito. Aparece agora, com todo mundo endeusando. Nada mais merecido. Precisam ser valorizada.
 
Então a estrutura de UTIs no Brasil pode agravar ainda mais a situação atual?
A associação de medicina intensiva periodicamente faz reuniões com autoridades chamando a atenção para a falta de leitos de UTI. São problemas localizados em estados com certa carência e que não duram tanto tempo. E que não chegam a afetar tanto as classes média mais alta e as mais favorecidas.
 
Essa epidemia pegou em cheio a população com poder aquisitivo, que faz viagens. No Einstein, tinha um número grande e foram diminuindo. No Sírio Libanês também. E isso foi para a zona Leste [de São Paulo], para a periferia, para o interior e agora para estados menos favorecidos.
 
Falando um pouco da sua história, a UTI do Einstein, que o sr. implantou, foi uma das primeiras no país?
Em 1967 não existia UTI. Pacientes graves iam para sala de recuperação, onde tinham mais recursos. No ano de 1969, 1970, é que que começaram as UTIs do Brasil. Surgiu em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em São Paulo mais ou menos ao mesmo tempo. No 9 de julho, no Sírio [Libanês], na Beneficência [Portuguesa], e a do Einstein, em 72.
 
As UTIs eram menos acessíveis? Era menos comum ir para a UTI?
Com o tempo, foram se estabelecendo critérios de internação em UTI. Teve uma época em que todos os pacientes depois de uma cirurgia maior ficavam na UTI, porque a família ficava sossegada, o médico também. Mas isso tem um custo. A UTI é muito cara porque tem que ter gente, que é o mais importante, equipamento, estrutura e organização. E tem que ter critério, ser para paciente grave mesmo.
 
Agora começaram a importar respiradores ao montes e os que chegam são levados para um local onde não tem gente que saiba mexer. É a mesma coisa que dar uma Ferrari para eu guiar. O pessoal que trabalha com doente grave precisa saber clínica, cirurgia, informática, precisa mexer com respiradores, monitor cardíaco, tem que tratar infarto, insuficiência renal. Ele é um sujeito especial.
 
Enfermeiros de terapia intensiva deveriam ser ultravalorizados em termos de condição de trabalho e de remuneração. E é muito estressante, você se consome.
 
Do início das UTIs até agora, os equipamentos mudaram muito?
Sim e não. É mais sofisticado hoje. É um Volvo e antes era um Toyota. O primeiro ventilador parecia uma geladeira, mas conseguia tratar o paciente. Esses de hoje tem uns botõezinhos a mais, circuitos melhores. É igual entrar no carro hoje, que tem um GPS. Mas os carros de antigamente te levavam aonde você queria.
 
No passado a UTI era vista como fim de linha?
Na década de 70, 80, o Darcy Ribeiro chamou a UTI de corredor da morte, mas a UTI é o corredor da vida. Hoje é uma coisa muito mais humanizada. Fomos os primeiros a introduzir psicólogos na UTI. Eu adoro essa parte de humanização, somo os precursores, abrindo portas para acompanhantes permanentes.
 
Antes era um terror, tudo fechado. Na hora que as portas foram abertas e as pessoas começaram a olhar aqueles aparelhos, aquela parafernalha, eles ficaram horrorizados. Eles mal entendiam que aquilo é que salvava vidas.
 
Você falou muito sobre tensão do ambiente. O que vocês fazem para o ambiente ser menos tenso?
Quando você olha estatísticas sobre estresse nas profissões, você vai ver que nós dois somos premiados. Entre as mais estressantes estão profissionais de saúde e profissionais de mídia. Dentro da medicina, a situação mais estressante é com intensivistas, com UTI.
 
O estresse é muito grande para pacientes, familiares e profissionais. As pessoas tinham receio da luz na cara, do ambiente fechado, de não ter comunicação, contato. Mas quando se analisou a percepção do estresse, quem menos sentia era o paciente. Depois vinham o familiar e o profissional de saúde.
 
As estratégias foram abrir as portas, permitir visitas, acompanhantes. Temos em alguns lugares ambientes amplos em que o familiar dorme junto. Para humanizar, temos psicólogos, religiosos, passam padres, pastores, rabinos.
 
E para o médico?
Estamos há anos falando de burnout. Lidamos com a vida. Você fica cuidando de uma pessoa e, de repente, ela morre na sua cara. Isso choca. É uma coisa muito estressante e sacrificante.
 
Como esse ambiente influenciou a sua vida?
Não escondo que quando eu entrei na UTI eu tinha 28 anos. Cheguei a ter que conversar com psicólogos para dar respaldo. Chegou uma fase da vida em que eu acordava no meio da noite, não conseguia dormir bem. Você vive em um campo de batalha.
 
Quem trabalha em UTI nunca esquece. É muito difícil. Você vê tudo que pode imaginar. Além de você dar um remédio, ligar um aparelho, colocar um equipamento moderno, existe o ser humano que está lá. Nunca me esqueço da minha mãe e do meu pai na UTI. Isso te faz amadurecer, causa microtraumas e você nunca esquece.
 
É uma situação de limite de vida. Frequentemente fico emocionado lembrando. Tenho pacientes há 40 anos que eu conheço da UTI, que estão vivos. Isso é um prêmio que não tem dimensão.
 
Viver com a morte diariamente deve mudar a percepção sobre o tema. Como você enxerga a morte?
Eu virei um patife. Com o tempo eu virei um patife. Eu vejo um paciente que fica na UTI que se despede e as lágrimas correm. Mesmo que não seja o seu paciente, quando você vai numa UTI você vê alguém que poderia ser seu irmão, seu pai, sua esposa, seu filho. Até um minuto antes, até antes de entrar na UTI, o cara era o dono do mundo, era saudável, era elegante, era um esportista, de bem com a vida. De repente, pum. Existe uma quebra da estrutura de vida. Quando acontece com ele, acontece com a família toda. A família desagrega. Já vi gente poderosíssima chegar ali. Não tem dinheiro que pague.
 
O ser humano é muito forte e frágil ao mesmo tempo. Quantas vezes não vi gente entrar com febre de manhã e, no fim da tarde, morrer. Eu não posso ignorar isso.
 
À medida que vou ficando mais velho, vou me aproximando da despedida. Não é nada trágico. É a história natural da vida. Quando tratamos de um paciente grave, de um idoso, você vai contra a história natural. Um animal, quando fratura, ele morre. O ser humano você corrige, dá um antibiótico para infecção, dá um suporte nutricional, trata do coração e vai levando. Mas há um limite para tudo.
 
Raio-X
 
Elias Knobel, 76, nasceu em Marília (SP) e se formou na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 1967. Foi professor-adjunto do Departamento de Medicina na Unifesp de 1971 a 1998. Em 1972, fundou a UTI do Hospital Israelita Albert Einstein e foi seu diretor até 2004. É autor de 19 livros e recebeu o 53º Prêmio Jabuti (Psicologia e Psicanálise) pelo livro “Coração… É Emoção” em 2011.
 
Fonte: Folha de SP
 
 
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