O título deste breve artigo também poderia ser: “Até quando o movimento sindical vai seguir subestimando a importância da comunicação?” Ou, “Até quando o movimento sindical continuará apostando em estratégias de comunicação superadas há mais de 20 ou 30 anos?”
Há muito tempo, temos tentado chamar a atenção sobre o anacronismo que caracteriza a comunicação praticada pelas entidades sindicais. São, em geral, modelos totalmente superados, que pouco ou quase nada conseguem frente à complexa disputa simbólica que há na sociedade e, sobretudo, nas relações entre capital e trabalho.
O movimento sindical brasileiro, com raríssimas e honrosas exceções (sim! existem excelentes trabalhos de comunicação no movimento sindical, mas são pouquíssimos!), não compreende a dimensão estratégica da comunicação nas disputas sociais. Na maioria dos sindicatos, a comunicação é tratada de forma secundária e meramente instrumental – é velha, na sua gestão e execução.
Tampouco se percebe vontade política nas entidades para contribuir, de forma decisiva, na construção ou no fomento de canais alternativos de comunicação para a sociedade; ou de participação ativa na luta e nos movimentos pela democratização do sistema de comunicação altamente excludente e antidemocrático existente no país.
Os dirigentes sindicais precisam saber que não sabem
Os dirigentes sindicais ainda acreditam que a transmissão do DISCURSO DURO e a “sua verdade” são suficientes para conquistar “os corações e as mentes” da classe trabalhadora, menosprezam, assim, a FORMA e os CANAIS adequados à mensagem.
Muitos dirigentes sindicais (nem todos, mas quase todos) não valorizam a inteligência, nem os profissionais da área, e desconhecem completamente as habilidades complementares que formam o “modus-operandi” da comunicação e suas especificidades (jornalismo, publicidade e propaganda, relações públicas). Não raro, acreditam saber mais que aqueles que se formaram para trabalhar na área. Além disso, negligenciam aspectos centrais que caracterizariam uma política de comunicação avançada, moderna e capaz de superar o atraso existente no meio sindical.
Cito aqui alguns destes aspectos, absolutamente decisivos para uma política de comunicação que queira realmente fazer a diferença em uma entidade sindical, mas que raríssimas possuem:
- o uso de PESQUISAS de opinião qualitativas e quantitativas para conhecer melhor e com mais profundidade os trabalhadores e as trabalhadoras, seus anseios, dificuldades, necessidades e opiniões;
- a necessidade da gestão de IMAGEM da entidade sindical, ou seja, saber como ela é percebida pela base e pela sociedade em geral, e o que fazer para que esta imagem seja alterada positivamente;
- a importância fundamental da unidade entre FORMA e CONTEÚDO em um sistema de comunicação, tendo em vista a complexidade que há na relação entre estes dois elementos, e a questão estética e simbólica na comunicação;
- a necessidade de um SISTEMA de comunicação sindical, em cada entidade, com a definição precisa dos canais de comunicação para se atingir e dialogar de forma efetiva com a base e a sociedade (o que é crucial para a já citada gestão da imagem);
- as relações com a chamada “grande mídia”: como utilizar e disputar estes espaços (isto também é, em geral, fazer política);
- participar ativamente de uma agenda efetiva pela construção de mídias alternativas e integradas com as lutas sociais dos trabalhadores e da sociedade: portais de informação, blogs, TVs e rádios comunitárias, jornais locais, grupos de discussão, iniciativas culturais, coletivos, etc;
- e, JUNTO DISSO TUDO, o novo desafio que é constituir inteligência e ter políticas de comunicação para as REDES SOCIAIS, o que exige ainda mais compreensão sobre o seu funcionamento, domínio de dados, tecnologias e AINDA MAIS INVESTIMENTO por parte das entidades.
A letargia, quando vai acabar?
O movimento sindical, ainda hoje – após um ano da implementação da reforma trabalhista – está mais para “um trem desgovernado” do que para aquilo que a nova realidade impõe: a reinvenção da ação sindical, o que passa, necessariamente, por uma nova relação simbólica com as bases e a sociedade.
O problema também está ai: a comunicação faz parte daquelas ações estratégicas que dependem de clareza sobre posicionamento e rumo, perspectivas de médio e longo prazos. Se as entidades sindicais têm tido dificuldades para engendrar as mudanças que necessitam agora e para o futuro (sim, qual é o futuro?), isto tende a ser uma dificuldade adicional para a comunicação. Se você não sabe direito para onde vai, como vai saber o que e como comunicar? E o que fazer com sua imagem?
Quando o movimento sindical necessitou mais de comunciação?
Nos setores de comunicação dos sindicatos, pouco tem se percebido de iniciativas novas ou reação por parte das entidades. Não há nenhuma reinvenção à vista, embora fosse necessária em função da nova realidade que se impôs com a reforma trabalhista! O termo “disrupção” e seu conceito tão em voga hoje em dia nos mais diversos setores da sociedade tem passado longe. O que os profissionais da área estão vivendo é uma brutal diminuição nas já precárias estruturas de comunicação e nos investimentos. Muitos jornalistas e comunicadores estão sendo demitidos ou (com sorte) precarizados.
Porém, aqui reside uma evidente contradição: Quando o movimento sindical necessitou mais de comunicação do que neste momento?
Não dá para desconhecer que, segundo pesquisa divulgada pelo Ibope Inteligência, com foco no Índice de Confiança Social (ICS) das instituições brasileiras, divulgada em agosto de 2018, o nível de confiança nos sindicatos estava no menor patamar dos últimos 10 anos. Em uma escala de 0 a 100, era de apenas 35 pontos.
Outro dado importante é o que trouxe pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontou que, em 2015, apenas 19,5% dos trabalhadores brasileiros eram sindicalizados. O estudo mostrou que o principal motivo para a não associação era desconhecer qual sindicato representava a categoria! Somente aqui reside um brutal problema de comunicação, em escala gigante!
Dentre os trabalhadores não sindicalizados, 26,4% afirmaram que não sabiam qual era a sua entidade representativa. Outros 23,6% disseram que não se sindicalizavam porque o sindicato não oferecia serviços que lhes interessavam. Já entre aqueles que se filiaram a algum sindicato, 50,8% disseram que se associaram por acreditar que a entidade defendia os direitos dos trabalhadores e 79,1% não usavam os serviços oferecidos pelos sindicatos.
Os dois exemplos servem para reforçar a necessidade de uma política de comunicação ESTRATÉGICA, que seja capaz de enfrentar o problema do necessário reposicionamento de imagem das entidades sindicais, bem como mostrar para que serve o sindicato, o que faz pelos trabalhadores e trabalhadoras, por suas famílias.
Isto se torna ainda mais urgente agora, num momento em que as narrativas do mercado e do governo (o atual, e o que vai assumir) caminham no sentido de “vender” como positiva a ideia ultraliberal de que o trabalhador não necessita de Estado, nem de sindicato. E que as relações de trabalho podem ser resolvidas em negociação direta e individual com o patrão.
Por isso, é muito importante (muito mesmo!) o reposicionamento de imagem e da ação sindical das entidades. Os sindicatos necessitam estar fortalecidos e ter perspectivas diante das novas dificuldades e dos novos desafios. Isto passa, sobretudo, por encontrarem um novo equilíbrio para sua manutenção. Fala-se que um patamar ideal de sustentabilidade para as entidades inicia com cerca de 60% da categoria associada. E a experiência mostra que quando há confiança no sindicato, a filiação é um processo natural. Olha ai de novo a necessidade da gestão da imagem!
Ou seja, para garantir a sua sobrevivência, os sindicatos necessitam de reposicionamento estrutural e de imagem. Isto implica na urgente ampliação no número de sócios com campanhas bem estruturadas e bem resolvidas quanto às suas estratégias de comunicação.
O sucesso de uma campanha de sindicalização depende de vários fatores, mas os principais são: se o apelo e a narrativa da campanha estão bem construídos (bem sintonizados quanto às expectativas da base e em relação à conjuntura); e se a imagem da entidade e de seus dirigentes, direção executiva e de base, são boas. Para que sindicato? O que o trabalhador ganha ao ser sócio? São questões aparentemente simples, mas difíceis de serem respondidas na atualidade.
A nova cultura da comunicação e os sindicatos
Um grande desafio é atualizar os sistemas de comunicação das entidades, com investimento “pesado” na utilização das redes sociais e suas novas ferramentas, além de promover a sintonia da luta sindical com a nova cultura da comunicação.
A recente eleição presidencial mostrou o quanto as redes sociais cresceram e o grau decisivo que possuem na vida das pessoas. Mais do que processos de comunicação, elas permitem processos de organização.
O Facebook atingiu a marca de 127 milhões de usuários ativos no Brasil, segundo dados do primeiro trimestre de 2018. Destes, 90% usam a rede a partir de dispositivos móveis, principalmente smartphones.
Já o WhatsApp está com mais de 120 milhões de usuários ativos no país. O Instagram, que tem crescido muito no Brasil, já supera os 50 milhões de usuários, e o Twitter conta com cerca de 41 milhões de usuários.
Em que pese, nos últimos tempos, o Facebook e a Cambridge Analytica estarem no centro da acusação das redes sociais serem inimigas da democracia. A Cambridge Analytica teria usado informações pessoais de milhões de usuários do Facebook para configurar campanhas de propaganda política, manipulando as emoções dos eleitores, em casos como o das presidenciais de 2016 nos EUA, ganhas por Donald Trump. Ou no caso mais recente das eleições no Brasil, com a utilização massiva das redes sociais, especialmente do WhatsApp, na difusão de notícias falsas que beneficiaram a eleição de Bolsonaro, cabe destacar a urgente necessidade de o movimento sindical brasileiro dominar as novas tecnologias e utilizar as novas plataformas de maneira efetiva na relação com os trabalhadores e a sociedade. E isto necessita de investimento!
O que fazer?
Mais do que nunca, o principal desafio da luta social no momento que vivemos é buscar um “mergulho na base”. Recuperar representatividade, diálogo e força junto aos trabalhadores e à sociedade. Isto é possível, mas não se pode mais perder tempo. É preciso fazer a mudança!
No caso do movimento sindical, dois desafios imediatos se inter-relacionam: a luta de resistência diante dos ataques aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, e a necessidade de construir um novo modelo de atuação, representativo e sustentável frente ao fim do imposto sindical e aos ataques que visam o enfraquecimento das entidades. Existe um ponto de equilíbrio sustentável que precisa ser encontrado, isto passa pela ampliação no número de sócios e a modernização da gestão das entidades.
Só que as velhas estruturas não servem mais e, provavelmente, não sobreviverão! É necessária uma rápida reinvenção, com entidades mais modernas, representativas e ampliadas horizontalmente, com capacidade de representar e organizar não só as bases diretas e constituídas – os empregados -, mas também o precariado, os desempregados.
É necessário construir novas formas de contato com os trabalhadores e a sociedade. O velho modelo dos anos 1980, das assembleias (e somente presenciais), está superado faz tempo. Elas ainda são muito importantes, mas hoje é possível constituir outras formas, tais como: ações sociais, programas de formação, oficinas culturais, programas de solidariedade mútua, estruturas de comunicação alternativas, grupos de mães, cinema comunitário, atividades de lazer, são algumas das novas possibilidades (nem tão novas assim!).
Estamos vivendo uma era de comunicação e subestimar isso pode ser fatal. Não basta ser, tem que parecer ser! A comunicação é, portanto, elemento decisivo e estratégico para a luta social dos trabalhadores – e não um mero instrumento.
É preciso recuperar o terreno perdido. Reconectar-se com os trabalhadores, firmar e ampliar os laços do sindicato com a base e a sociedade e fazer a disputa de narrativa com os setores conservadores. Fortalecer a necessidade da luta coletiva, da solidariedade, da união, de que é preciso estar juntos – ao lado do sindicato – para resistir e defender os direitos. O modelo que querem implantar no Brasil é, cada vez mais, o da relação individual do trabalhador com seu patrão, sem a mediação e a representação do sindicato.
Atualizar a comunicação sindical e colocá-la em um novo patamar, capaz de enfrentar os desafios atuais da disputa simbólica na sociedade requer decisão política, mudança de compreensão, planejamento e investimento. Valorizar profissionais e a inteligência da comunicação. É preciso se comunicar com a sociedade de uma forma nova, criativa, organizada e estratégica e, PLENA com as novas tecnologias.
Ou será que é possível o movimento sindical enfrentar seus enormes e novos desafios sem comunicação?
* Clomar Porto é jornalista e especialista em gestão estratégica da comunicação.
Fonte: Portal CTB