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O impacto da Covid-19 tem sido comparado ao da aids, doença provocada por um vÃrus que pegou o mundo de surpresa e transformou a sociedade nos anos 1980. Há, contudo, uma diferença essencial entre as duas. No inÃcio, ser diagnosticado como soropositivo para o HIV equivalia a uma sentença de morte. Para 80% dos que contraem o novo coronavÃrus, porém, a doença é leve.Â
Ao contrário dos HIV-positivos, os “coronapositivosâ€, uma vez curados, adquirem um nÃvel de imunidade que os transforma automaticamente na nossa maior esperança no combate à Covid-19. Isso acontece de três maneiras: econômica, médica e cientÃfica.
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Do ponto de vista econômico, nada impede um coronapositivo que se curou de sair do isolamento, voltar a trabalhar e a circular normalmente. Para todos os efeitos, ele não pega não transmite mais a doença. Embora o coronavÃrus seja um organismo mutante e haja registro de pessoas infectadas duas vezes, tal probabilidade é pequena. As infecções seguidas são raras. Foram registradas apenas em profissionais de saúde expostos a cargas elevadas do vÃrus nos pacientes.
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O governo britânico considera até mesmo emitir documentos aos coronapositivos, uma espécie de passaporte para que eles tenham a liberdade de circular mesmo durante a atual quarentena. Para isso, é necessário ter a capacidade de aplicar testes em massa, com a garantia de que os resultados sejam confiáveis.Â
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O trabalho dos coronapositivos será essencial não apenas para resgatar a atividade econômica, mas sobretudo no combate à doença. “Queremos ser capazes de identificar aqueles que se recuperaram da infecção, tornaram-se imunes e não são mais contagiososâ€, escreve na New Yorker o médico, pesquisador e autor cientÃfico Siddharta Mukherjee. “Tais pessoas devem satisfazer a dois critérios: ausência de efusão viral e sinais de imunidade persistente no sangue.â€
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Embora haja duas diferentes variantes do vÃrus em circulação, uma delas é predominanante . Testar a presença de imunidade no sangue permitirá ter, quando não garantia, ao menos certa tranquilidade. No caso dos profissionais de saúde, será necessário naturalmente um cuidado especial. Mukherjee afirma que, a não ser que haja queda na imunidade, eles podem cuidar dos pacientes sem ficar doentes.
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A terceira esperança trazida pelos coronapositivos é cientÃfica. Estão em curso estudos para tratar casos graves da Covid-19 com o plasma dos pacientes infectados e já curados. Os anticorpos presentes no sangue deles podem ajudar a reduzir a carga do vÃrus naqueles pacientes cujo sistema imune se revela incapaz de detê-lo.
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Um dos mistérios investigados pelos cientistas é a grande variedade de quadros clÃnicos apresentados pelos infectados. Uma das suspeitas, relatada em artigo na revista médica The Lancet, é que a carga viral a que são expostos no momento da infecção tenha relação com isso. Uma quantidade alta, segundo essa teoria, sobrecarregaria o sistema imune e levaria ao quadro grave.
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De acordo com Mukherjee, um estudo feito em Hong Kong com o coronavÃrus causador da Sars constatou em 2004 que uma alta carga inicial do vÃrus influÃa na gravidade da doença. É como se houvesse uma corrida entre as células do sistema imune e as partÃculas do vÃrus pelo controle do organismo. A ajuda de anticorpos extraÃdos dos coronapositivos poderia virar tal batalha em favor da vida.Â
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Se a aids criou um estigma para portadores de anticorpos para o HIV, a Covid-19 promete trazer outro sentido à palavra “soropositivoâ€. Não há motivo para lamentar um resultado positivo no exame para o novo coronavÃrus, desde que a doença seja leve – e que a cura venha logo
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Os coronapositivos serão em número cada vez maior. Com o tempo, garantirão o patamar de imunidade coletiva que dificultará a transmissão da Covid-19. Ainda que seja provável o surgimento de mutações do coronavÃrus capazes de infectá-los novamente, é provável que até lá a humanidade esteja mais preparada para enfrentá-lo com testes, tratamentos e vacinas.
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Fonte: G1