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 O trabalho de auxiliares, técnicos e enfermeiros tem sido fundamental para o enfrentamento da Covid-19, a doença causada pelo novo coronavÃrus.
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Eles são os responsáveis por cuidar diretamente da medicação, da alimentação, do banho e dos equipamentos que mantêm os sinais vitais dos internados nos leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) com a doença.
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Cinco profissionais do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na Bela Vista, região central da cidade de São Paulo, conversaram com a Folha após o plantão.
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Com as marcas deixadas no rosto pelo uso contÃnuo de máscaras, o grupo falou sobre o medo que sente, a alegria gerada pela recuperação dos pacientes e como será o Dia das Mães nesta pandemia.
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‘O MAIOR PRESENTE É VER UM PACIENTE FALAR NA UTI’
Myrcea Maria de Carvalho Suzuki, 43, enfermeira
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Trabalho há 22 anos em hospital. Lidero uma pequena equipe de enfermeiros e técnicos. Sim, nós temos medos e apreensões todos os dias, mas quando a equipe é boa, a situação fica mais tranquila.
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Antes de eu começar meu plantão, eu peço a Deus proteção para que ele oriente toda a minha equipe no que for necessário. Inicialmente, a gente recebeu pacientes muito graves com Covid-19.
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Então, eu sei que eles precisavam muito mais dos nossos cuidados mesmo eu sabendo da chance real de contaminação.
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A gente uniu conhecimento com assistência, e conseguimos suprir o que eles estavam precisando na primeira fase da crise, que me marcou muito.
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A coisa que mais me emociona é ver o paciente que entrou em estado grave começar a falar e a entender os nossos comandos na UTI.
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Quando você ouve o seu paciente falando e entendendo tudo não existe presente melhor para uma enfermeira.
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Eu sou mãe —tenho um filho pequeno. Meu dia será diferente. Minha mãe mora no interior do Paraná e a gente não se vê há três meses. O meu carinho vai chegar até ela pelas redes sociais. Mas onde uma enfermeira vai comemorar o Dia das Mães mesmo? No hospital, claro.Â
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‘EU ME VI FAZENDO PARTE DE UM FILME DE TERROR’
Simone Caroline Maluf, 29, enfermeira
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Eu trabalho na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] faz sete anos. O momento mais difÃcil foi no inÃcio da pandemia. Parecia que eu estava dentro de um filme de terror pela quantidade de gente que chegava ao mesmo tempo no hospital.
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Eu não esqueço quando o hospital separou um leito de UTI para receber o primeiro paciente contaminado pelo novo coronavÃrus. Só não imaginei que, desse primeiro caso, fosse aumentar tanto.
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Também foi um pouco assustador ver esses pacientes todos sendo intubados e ficando em um estado muito grave. Um momento que me marcou muito foi quando eu caminhei pelo corredor do hospital, olhei para cada paciente e vi todos eles com muita dificuldade para respirar.
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O inÃcio, de fato, foi muito desgastante, principalmente, na parte psicológica porque aquelas cenas me deixaram muito cansada. Eu só quero que as pessoas se conscientizem sobre essa doença.
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Eu, que trabalho num hospital, tenho a noção do estrago que ela faz. O vÃrus não atinge só os idosos, mas vários tipos de pessoas e faixas etárias.
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Faz dois meses que não vejo os meus pais, e hoje é o Dia das Mães. Quando eu vou poder ir para Barretos [interior de SP] para dar um abraço neles? Não sei e isso me deixa chateada. O meu abraço para a minha mãe, como o de todo mundo, será virtual.
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‘ME EMOCIONO MUITO NO DIA DAS MÃES’
José Heliton Santos, 30, técnico de enfermagem
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Eu trabalho todos os dias cuidando de pacientes que chegam em estado muito grave por causa da Covid-19.
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Por ser uma doença nova, eu estou aprendendo a lidar com ela todos os dias. Quando a UTI foi enchendo, eu pensei: será que vai ser sempre assim? Daà veio a primeira sensação de medo.
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Mas com o passar do tempo e com o entrosamento da equipe, eu estou conseguindo lidar melhor com tudo o que está acontecendo. Os casos de cura e recuperação ainda são difÃceis.
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A gente se alegra muito quando vê um paciente deixando a UTI. Eu tenho controlado o medo seguindo à risca todas as barreiras de proteção já recomendadas pelas entidades de saúde.
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Quando eu penso que neste domingo (10) será o Dia das Mães, eu me emociono porque é uma data muito importante. Já são três meses sem ver a minha mãe e o meu pai. A gente mora bem perto, mas não conseguirei dar o abraço e o beijo principalmente nela.
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Preciso ficar longe deles. Mas, mãe, fique tranquila que o seu presente já foi comprado e vai chegar na sua casa pelos Correios. Te amo!
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‘TENHO MAIS CONTROLE HOJE PORQUE SEI COMO PROCEDER’
Jéssica Tenório, 30, técnica de enfermagem
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Eu tenho um medo mais controlado, agora, porque sei como proceder no ambiente hospitalar. Lidar com o desconhecido é que foi o mais assustador.
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Não sabia o que tinha pela frente e nem como encarar tudo aquilo. O medo só ainda persiste porque não quero me contaminar para não levar o vÃrus para os meus pais, que são idosos.
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Como uma tÃpica enfermeira, passarei o Dia das Mães longe da minha. Estarei de plantão. Mas mesmo se estivesse em casa, não teria mais aquela confraternização que a gente já estava acostumada a fazer.
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Ela vai receber o meu carinho também de forma virtual.
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‘LIDAR COM O DESCONHECIDO É A PIOR COISA DA PANDEMIA’
Silvânia Venâncio da Silva, 40, técnica de enfermagem
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Agora as coisas estão um pouco mais no eixo, mas nem queiram imaginar o que eu passei no inÃcio da pandemia.
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O mais difÃcil foi lidar com o desconhecido. Na hora de cuidar do paciente, não havia protocolo, o como fazer. Eu fazia essa pergunta: como fazer o melhor trabalho e de maneira segura para mim e para o meu paciente?
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Tenho 15 anos de enfermagem, e foi duro ver as pessoas internadas ali sozinhas, sem poder contar com o apoio das famÃlias delas. O afeto faz toda a diferença nessa hora.
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Não sou mãe, mas tenho a minha. Então, o meu domingo vai ser assim: vou trabalhar no perÃodo da manhã no hospital e, depois, ficarei em casa com ela. Mas sempre a distância, né.
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Minha mãe vive acamada. Sei de todos os cuidados que preciso tomar para não levar nenhuma contaminação para dentro de casa.
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Eu sempre usei máscara por causa da minha profissão e da minha mãe. Mas muita gente tem achado ruim. Mas é o melhor a se fazer.
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Toda vez que chego ao trabalho, passo o meu crachá e recebo essa mensagem na catraca: tudo vai ficar bem. Que assim seja!
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Fonte: Folha deSP
Foto: Zanone Fraissat