
Â
Enquanto o Brasil enfrenta crescimento exponencial de infecções e mortes causadas pela Covid-19, diversas cidades flexibilizaram o isolamento social e permitiram a reabertura de estabelecimentos.Â
O principal argumento de autoridades locais é que o comércio precisa voltar a funcionar para reduzir os impactos econômicos da crise causada pelo novo coronavÃrus. A medida, porém, é criticada por médicos e especialistas na área da saúde, que afirmam que a reabertura de estabelecimentos neste momento deve aumentar os casos de Covid-19 no paÃs.
Â
Entre os estabelecimentos que voltaram a funcionar no paÃs estão shoppings centers, que estavam fechados desde meados de março, em razão das medidas de isolamento social.
Â
De acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), até quarta-feira (10) já haviam sido reabertos mais de 50% dos 577 shoppings do paÃs. Já estão em funcionamento 298 deles, em 17 estados — a previsão é de que o número aumente nos próximos dias.
Â
Nesta quinta-feira (11), os 53 shoppings da capital de São Paulo passam a reabrir por quatro horas — das 16h às 20h —, após liberação do prefeito Bruno Covas (PSDB).
Â
Para se adaptar ao perÃodo de pandemia, muitos desses centros de compras pelo paÃs têm funcionado em horários reduzidos. Ao reabrir as portas, muitos dos responsáveis pelos estabelecimentos afirmam que tomarão medidas para evitar a propagação do coronavÃrus, como a obrigatoriedade do uso de máscaras, a criação de uma área para higienização das mãos, a sanitização de ambientes e a medição de temperatura das pessoas.
Â
Mas para especialistas, as medidas adotadas são insuficientes para conter a propagação do novo coronavÃrus nesses estabelecimentos no atual perÃodo do Brasil em relação ao Sars-Cov-2, nome oficial do vÃrus. Isso porque os números diários de casos e de mortes no paÃs têm tido sucessivos recordes nas últimas semanas.
Â
O Brasil, que até o momento tem mais de 770 mil casos do novo coronavÃrus e quase 40 mil mortes, segue o exemplo de outros paÃses ao flexibilizar o isolamento social, por meio da reabertura de shoppings e outros estabelecimentos. As outras regiões, porém, viviam uma fase de queda de registros de Covid-19 quando decidiram afrouxar as restrições a seus moradores.
Â
Os riscos dos shoppings
Estudos mostram que a nuvem de gotÃculas gerada pela fala, espirro ou tosse pode permanecer suspensa no ar durante longos perÃodos em ambientes fechados. Outras pesquisas apontam que vÃrus como o Sars-Cov-2 podem permanecer infectantes nessas nuvens de gotÃculas por horas. Essas caracterÃsticas, segundo especialistas, podem explicar porque a transmissão da Covid-19 é rápida.
Â
"As atividades coletivas dentro de ambientes fechados têm riscos muito maiores do que ao ar livre. Essa suspensão de gotÃculas no ar possibilita até que uma pessoa que está andando no mesmo ambiente, mas distante, seja infectada", pontua a epidemiologista Adélia Marçal dos Santos, especialista em dinâmica em transmissão de doenças infecciosas e professora de Medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.
Â
Segundo Adélia, as máscaras reduzem a propagação das gotÃculas, mas, ainda assim, existe o risco de transmissão do novo coronavÃrus.
Â
"As máscaras reduzem a contaminação do ambiente, mas não têm a capacidade de proteger as pessoas contra possÃvel aspiração de pequenas partÃculas em suspensão no ar, que podem conter o vÃrus", explica a médica.
Em razão da facilidade de propagação do novo coronavÃrus em locais fechados, especialistas afirmam que a reabertura dos shoppings em plena fase de crescimento de casos no Brasil pode aumentar ainda mais os registros do vÃrus no paÃs.
Â
Um dos casos que ilustra a situação é a de um shopping que foi reaberto em 22 de abril em Blumenau (SC). O estabelecimento reabriu as portas em um evento com aplausos dos lojistas e com a participação de um saxofonista. Os clientes fizeram filas, com máscaras, para entrar no local. Uma semana depois, os casos mais que dobraram no municÃpio.
Â
"Temos essa experiência emblemática em Blumenau. A gente acredita que a situação vai continuar se multiplicando em shoppings de todo o paÃs, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro", afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, o pesquisador Fernando Spilki.
Â
Spilki comenta que muitas das medidas que os representantes dos shoppings tomaram para reabrir os locais, como a restrição de público, não são eficazes para evitar a propagação do coronavÃrus.
Â
"Muitas vezes, nesses estabelecimentos não há um cuidado com foco na proteção individual. Muitas vezes, não há cuidado no ambiente para evitar a propagação do vÃrus. Nesses locais pode haver filas e as pessoas nem sempre respeitam o distanciamento social (de dois metros). Isso facilita a transmissão do vÃrus", diz à BBC News Brasil.
Os especialistas frisam que o comércio de rua também pode trazer riscos, principalmente nos casos em que há aglomeração — como registrado em diversas cidades após a flexibilização das medidas de isolamento.
Â
A epidemiologista Adélia Marçal pontua que é difÃcil garantir o distanciamento de, ao menos, dois metros no comércio de rua e destaca que somente o uso das máscaras não garante a proteção. "Muitos não usam a máscara corretamente e isso facilita a propagação do coronavÃrus. Muitas pessoas tocam no rosto o tempo todo, mexem nas máscaras e podem tocar em superfÃcies e se contaminar", diz.
Â
"As máscaras são muito importantes, especialmente no contexto da flexibilização do isolamento. Mas é preciso considerar que sua eficácia depende do uso, dos cuidados com higienização e troca delas. Elas são diferentes em grau de proteção", afirma Fernando Spilki.
Â
"A máscara é uma ferramenta que deve funcionar aliada a um conjunto de medidas de restrição de movimentação social, higiene e testagem. Seria muito fácil apenas usar a máscara e toda a população não precisar de nenhuma outra medida. O que funciona é o conjunto de medidas, não uma parte ou outra", acrescenta Spilki.
Â
Mas o que fazer se precisar sair de casa?
Os especialistas orientam que as pessoas somente devem frequentar shopping ou o comércio de rua durante o atual perÃodo apenas em casos de extrema importância. Eles aconselham que os consumidores optem por estabelecimentos que entreguem em casa.
Â
"Mas se é realmente necessário ir ao shopping (ou ao comércio de rua), pense e planeje com antecedência o que precisa fazer. Entre em contato com o local, se certifique de que está funcionando, o horário de funcionamento e se possui o que você precisa", diz a epidemiologista Adélia Marçal.
Â
A médica pontua que é fundamental que as pessoas saiam com álcool em gel — ou utilizem com frequência nos locais que disponibilizam o produto — e usem máscaras durante todo o perÃodo fora de casa.
Â
"Vá ao banheiro em casa. Mesmo que seja feita limpeza regular, o banheiro público é um lugar crÃtico para a transmissão comunitária da Covid-19, pois é menos ventilado e força a proximidade. Caso vá ao banheiro, evite conversar ou deixar pertences em bancadas", detalha Adélia.
No comércio de rua ou no shopping, a pessoa deve observar se a área na qual fará compras permite o distanciamento social de dois metros. "Respeite o distanciamento para a sua proteção e para o cuidado coletivo. Evite áreas de aglomeração. Se for o caso, espere reduzir o fluxo para passar ou se aproximar de um local", pontua a epidemiologista.
Â
"Dentro das lojas, evite tocar em objetos e manuseie apenas o que deseja comprar", diz a médica.
Segundo ela, é importante que os clientes evitem usar dinheiro em espécie. "De preferência, use cartão que permita pagar por aproximação. Se encostar na máquina de cartão, use álcool em gel depois", aconselha Adélia.
Â
"Não utilize provadores. Fique o menor tempo possÃvel em shoppings ou qualquer lugar público fechado. Dê preferencia a lojas de ruas. Se a vontade de ir ao shopping é para lazer e diversão, vá a um parque ou a um lugar aberto, de preferência. Será muito melhor para a sua saúde neste momento", diz a epidemiologista.
Â
Fonte: G1
Foto: Getty Images/ BBC