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Bandeira da gestão do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a promessa de acelerar a campanha de imunização contra a Covid ecoada pelo presidente Jair Bolsonaro em jantar com empresários no inÃcio do mês tem entraves.Â
Entre os desafios estão o alto número de entregas previstas apenas para o segundo semestre, as dificuldades na obtenção de insumos e a existência de contratos de imunizantes ainda sem aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) —o que é necessário para a oferta das doses.
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Nesse cenário, especialistas já veem como improvável a possibilidade de vacinar metade da população brasileira até junho, na contramão do que vinha sendo anunciado pelo Ministério da Saúde.
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As constantes revisões de cronograma evidenciam esses impasses.
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Uma das primeiras estimativas divulgadas pela pasta a governadores, por exemplo, previa 68 milhões de doses até março. Nesse perÃodo, no entanto, apenas 44 milhões de doses foram entregues —65% do previsto.
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O problema persiste. Desde que tomou posse, há três semanas, Queiroga mudou pelo menos duas vezes a previsão de oferta de vacinas para o mês de abril.
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Inicialmente, a conta passou de 47,3 milhões para 25,5 milhões. Atualmente, o ministro defende que a pasta tem asseguradas 30,5 milhões de doses para este mês.
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Questionado sobre a previsão exata por fornecedor, o ministério não respondeu. A pasta também tem deixado de divulgar o cronograma que costumava atualizar —a última versão disponÃvel é de 19 de março. A justificativa é que há dificuldades em confirmar as estimativas.
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Responsáveis pela maior parte das entregas, Fiocruz e Butantan disseram à reportagem ter previsão de 29,2 milhões de doses para este mês.
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Os laboratórios atribuem a diferença em relação aos números anteriores a atrasos na entrega de insumos e entraves temporários na produção das vacinas, como falha em uma máquina da Fiocruz.
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Em entrevista à Folha publicada no domingo (11), Queiroga afirmou que há risco de que a oferta irregular de doses siga até o inÃcio do segundo semestre. Ele também definiu a confirmação como uma "luta diária".
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"Temos uma estimativa de doses a serem aplicadas que depende da produção, da indústria, das entregas, da importação de doses prontas", disse.
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Especialistas e secretários de Saúde, porém, dizem que o atraso da pasta em fechar contratos ainda no ano passado foi decisivo para esse cenário.
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Hoje, o ministério afirma ter uma previsão de 562 milhões de doses até o fim do ano. Desse total, porém, ao menos 348 milhões de doses, ou mais da metade, são esperadas apenas para o segundo semestre.
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Esse número de entregas demoradas pode crescer com a dificuldade em confirmar alguns crongramas e os frequentes atrasos de fornecedores.
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Em maio, por exemplo, a previsão é que a Fiocruz entregue 21,5 milhões de doses, 5,3 milhões a menos do que o previsto no último cronograma da pasta para o mês (26,8 milhões).
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Questionada sobre as mudanças, a Fiocruz disse que a produção de vacinas "segue rÃgidos protocolos de controle de qualidade estabelecidos internacionalmente, o que pode acarretar na redução ou aumento nas previsões de entregas". Nesse caso, a previsão é que haja volume maior em junho, disse.
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Já o Butantan evitou dar previsões para os meses seguintes, afirmando que o cronograma depende do recebimento de insumos da China. Nas estimativas da pasta, no entanto, estavam previstos 6 milhões de doses em maio.
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O cronograma geral enfrenta mais entraves.
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São os casos de doses contratadas da vacina indiana Covaxin, que teve pedido de importação e uso excepcional negado pela Anvisa, e de doses da vacina russa Sputnik V, cujo prazo de análise pela agência foi suspenso por falta de documentos.
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Além dessas vacinas, o paÃs tem enfrentado atrasos na entrega de doses da Covax Facility, iniciativa vinculada à OMS (Organização Mundial de Saúde). Tampouco sabe quando vai receber 8 milhões de doses da vacina de Oxford que viriam por meio da Ãndia.
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Recentemente, o Ministério da Saúde voltou a reforçar encontros com farmacêuticas e embaixadas de outros paÃses na tentativa de adiantar o recebimento de insumos e de doses prontas, mas as ações ainda não trouxeram mudanças nÃtidas no cronograma.
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Para a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI (Programa Nacional de Imunizações) de 2011 a 2019, a situação confirma que não será possÃvel atingir as metas previstas de vacinação tão cedo—como vacinar todo o grupo prioritário até junho, o que seria, para a pasta, o equivalente à metade da população "vacinável".
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"Estamos vacinando em torno de 15 milhões de pessoas por mês. Nesse ritmo, não vai ser possÃvel vacinar nem o grupo prioritário até junho. Para acelerar a campanha, tem de ter vacina", disse ela, que atribui o problema ao atraso do governo em fechar contratos.
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Como a Folha mostrou, o governo negou em 2020 três propostas da Pfizer que previam entregas de 70 milhões de doses, parte delas já a partir de dezembro do último ano. "E agora o contrato foi assinado em março e só consegue em maio", afirmou Domingues.
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A avaliação é compartilhada pelo Conass, conselho que reúne secretários estaduais de Saúde.
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"O cenário atual é reflexo dos contratos firmados ao longo do ano passado. Por exemplo, nas negociações com a Covax Facility, o governo federal encomendou o equivalente a somente 10% da população a ser vacinada, quando poderia ter solicitado até 50%", disse em nota o conselho.
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Para Juarez Cunha, da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), a falta de confirmação dos cronogramas e a previsão de 30 milhões de doses para abril ainda evidencia que o paÃs terá dificuldades em alavancar a vacinação.
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"Se esses quantitativos não melhorarem, a ideia de que conseguiria vacinar [a população prioritária] até metade do ano não se concretiza", afirmou ele, que lembrou que a necessidade para isso seria de cerca de 160 milhões de doses (por serem 77 milhões de pessoas). "Não tendo o produto, não tem como avançar."
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Cunha afirma que o ideal seria reforçar o apoio para concretizar os contratos existentes e aumentar esforços com a China para assegurar a vinda de insumos usados para produção de doses pela Fiocruz e Butantan.
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Outras discussões recentes, como a ampliação para participação da iniciativa privada, não representam solução em termos de prazo, avalia. "Não adianta abrir ao mercado privado e empresas porque não tem vacinas disponÃveis. Se tivesse, o governo brasileiro já tinha comprado."
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Questionado em entrevista nesta segunda (12), Queiroga admitiu os impasses, mas disse negociar aquisição de mais doses prontas com laboratórios e outros paÃses.
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Fonte: Folha de SP