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Quatro anos depois da entrada em vigor da reforma trabalhista, completados nesta quinta (11), o saldo é de queda no número de ações na Justiça do Trabalho, mas o número de empregos anunciado pelo governo à época ficou só na promessa.Â
O governo Michel Temer chegou a divulgar durante a tramitação da proposta que era estimada a geração de 6 milhões de empregos em até uma década com a aprovação —2 milhões apenas nos dois primeiros anos.
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A Pnad ContÃnua (Pesquisa Nacional por Amostra de DomicÃlios ContÃnua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica), no entanto, mostra uma história diferente: a taxa de desocupação trimestral, que chegou a ficar entre 6% e 7% em 2014, subiu para 8,7% em agosto de 2015 —considerando-se trabalhadores formais, informais, por conta própria, entre outros.
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Em meados de 2017, antes da mudança na legislação, a desocupação era de 12,6%. Dois anos depois, em 2019 e antes da pandemia, estava em 11,8%. Em 2021, já com a crise sanitária, o mercado de trabalho sofreu um novo golpe e o desemprego tem oscilado acima disso, entre 14,7% e 13,2%.
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"Era de um otimismo absurdo achar que a reforma criaria uma explosão de novos empregos. O Brasil tinha vindo de uma crise grande em 2015 e 2016, e o governo sabia que o mercado de trabalho não estava bombando", diz o economista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) João Sabóia.
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Ele lembra que 2018 e 2019 foram anos de crescimento pequeno do PIB (Produto Interno Bruto) —ambos na casa de 1%—, o que trouxe dificuldade para o mercado de trabalho. "A economia tem tido desempenho nada brilhante, o que se reflete em uma recuperação lenta do mercado de trabalho."
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Em 2020, o PIB caiu 4,1%; para 2021, a previsão é de crescimento de 4,93%, segundo o mais recente boletim Focus. Para o ano que vem, parte dos analistas já prevê uma nova queda.
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Já pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho, 2017 terminou com o fechamento de 20,8 mil vagas com carteira assinada. Os anos seguintes, 2018 e 2019, já com a reforma, tiveram saldos positivos de 1,2 milhão, bem abaixo das previsões do governo.
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Após uma revisão do Caged, o saldo de empregos formais em 2020 caiu quase pela metade.
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Defensor das mudanças na CLT, o economista Bruno Ottoni, da IDados, avalia que é injusto atribuir os problemas atuais do mercado trabalho à reforma. Ele lembra que o texto foi bombardeado por instituições e órgãos, que criaram um ambiente de insegurança. O empregador, muitas vezes, ficou receoso de agir conforme a nova legislação, diz Ottoni.
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"Quando o tempo foi passando e as novas modalidades de trabalho iam se consolidar, veio a pandemia. A gente sabe que ela foi horrÃvel para o mercado de trabalho, mas quanto ele teria sofrido sem a reforma? Também é difÃcil avaliar se a promessa de redução da informalidade se cumpriu até onde a influência da reforma poderia ir."
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Do ponto de vista do trabalho intermitente, modalidade de contrato criada com a reforma trabalhista, em que o trabalhador é convocado para jornadas não contÃnuas, havia também a promessa de que essa modalidade de ocupação ajudasse a reduzir a informalidade daqueles com jornada flexÃvel, caso de muitos no setor de serviços.
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Entre novembro de 2017 e dezembro de 2019, o saldo de intermitentes foi de pouco menos de 143 mil contratos. Entre janeiro e setembro deste ano, o novo Caged registrou um saldo positivo de 61,5 mil contratos de trabalho intermitente e de 35,7 mil de trabalho parcial.
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"Uma das coisas que mais entusiasmaram na reforma era a possibilidade de reduzir a informalidade para quem tem jornadas de trabalho mais curtas. Tempo parcial e intermitente tornariam isso mais fácil e reduziriam o risco associado aos contratos. É preciso esperar mais para ver os efeitos disso", diz Ottoni.
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Os desligamentos por acordo, modalidade de encerramento de contrato introduzida pela reforma, somaram 156.004 (1,26% do total de desligamentos do perÃodo), ainda segundo o Caged.
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No caso dos processos trabalhistas, a reforma previa mudanças na Justiça, estipulando o pagamento de custas processuais em caso de faltas em audiências ou de honorários dos advogados da parte vencedora em caso de perda da ação, por exemplo.
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Essas mudanças levaram a um novo patamar no número de novos processos: um levantamento pedido ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) aponta que esse número caiu 19% —de 3,966 milhões, em 2017, para 3,222 milhões no ano seguinte à aprovação da reforma.
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Na comparação com 2020, a queda foi de mais de 1 milhão de registros e até outubro deste ano, o número de processos somava 2,202 milhões.
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Em outubro, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou que eram inconstitucionais dois trechos da reforma, que modificavam regras sobre a gratuidade da Justiça para quem não tiver condições de ingressar com processos.
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As novas regras trabalhistas também afetaram diretamente os sindicatos de trabalhadores. Antes dela, havia o recolhimento obrigatório equivalente a um dia de trabalho para manutenção dos sindicatos. Com a mudança, o pagamento deixou de ser compulsório. Nos primeiros seis meses após a reforma, a queda de arrecadação chegou a 88%, segundo dados do governo.
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"A reforma tirou benefÃcios de sindicatos e trabalhadores", afirma Miguel Torres, presidente da Força Sindical. "Diziam que se precisava dela para gerar empregos, mexeram em direitos, praticamente acabaram com a arrecadação dos sindicatos sem fórmula de transição e isso levou muitos sindicatos a dificuldades."
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Quatro anos depois, ele considera que os postos de trabalho gerados foram precários e que a massa salarial caiu. "E o governo ainda tenta colocar minirreformas em votação, para tirar mais direitos."
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Quando se avalia uma polÃtica, é preciso considerar também o que teria acontecido caso a reforma não tivesse existido, pondera o professor da UnB (Universidade de BrasÃlia) Carlos Alberto Ramos. "Nesse intervalo, teve um perÃodo conturbado eleitoral, o PT dizia que iria revogar a reforma e isso assustou os empresários."
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Ele considera, no entanto, que o discurso de que o aumento nas contratações depende apenas da flexibilização das regras trabalhistas não é novidade e ocorreu tanto em meados da década de 1990 quanto após a recessão de 2015 e 2016.
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'EXAGERARAM NAS PREVISÕES', DISSE TEMER
Em 2020, durante um encontro no Paraná, Michel Temer admitiu que houve uma propaganda exagerada na época da reforma e que seus ministros na época, Henrique Meirelles (Fazenda) e Ronaldo Nogueira (Trabalho), superestimaram os números de geração de empregos.
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"Quero concordar [...] que os nossos ministros Meirelles e Ronaldo Nogueira exageraram nas suas previsões. Eles estavam pautados pela ideia, que na verdade é muito comum aqui no Brasil, que é o seguinte: quando você produz uma lei no Brasil, no dia seguinte, o céu é azul, você não tem desemprego, você não tem insegurança."
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Meirelles (atualmente secretário Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo) avalia hoje que as estimativas de aumento do emprego quando foi apresentada a proposta de reforma eram as melhores disponÃveis, baseadas na experiência internacional.
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"Eram baseadas também em uma economia crescendo no seu potencial. As condições macroeconômicas de lá para cá, no entanto, não foram essas e não permitiram ao Brasil obter os ganhos."
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Ele complementa que a reforma não substitui a polÃtica fiscal e monetária, nem o nÃvel de confiança dos consumidores, empresários e investidores —e que esses fatores são determinantes para definir o nÃvel de crescimento do paÃs em condições normais.
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PRINCIPAIS MUDANÇAS COM A REFORMA
Contribuição sindical
Pagamento da contribuição, equivalente a um dia de trabalho, deixou de ser obrigatório
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Férias
PerÃodo de 30 dias corridos por ano pode ser parcelado em até três vezes
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Trabalho intermitente
Introdução dessa modalidade de trabalho, com direito ao perÃodo de férias, FGTS e 13º proporcionais
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Jornada de trabalho
Pode ser pactuada em 12 horas de trabalho e 36h de descanso
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Trabalho parcial
Jornadas de até 30 horas semanais, sem hora extra, ou 26h, com até 6h extras
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Fonte: Folha de SP