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A negociação coletiva com sua institucionalidade, instrumentos, cultura e sindicatos, sujeitos coletivos que a promovem, constituem patrimônio polÃtico das sociedades. Os meios e os processos de diálogo social escolhidos e implementados para tratar dos conflitos laborais, que são inerentes à s relações sociais, estruturam o sistema de relações de trabalho.
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Este sistema compõe o mosaico da complexidade institucional da polÃtica, da vida pública, da qualidade da democracia e do padrão de desenvolvimento econômico e socioambiental.
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O Brasil tem o desafio, que pode ser agora superado, de promover padrão de crescimento econômico que responda aos desafios das desigualdades e da crise ambiental. Virtuoso incremento da produtividade do trabalho e da atividade produtiva, sustentado pela inovação e tecnologia, pela educação e formação profissional, pelo investimento e crédito, com a geração de empregos de qualidade e aumento da renda do trabalho, será resultado da capacidade de transformação produtiva em todos os setores que buscam estar na fronteira do conhecimento e do bem-estar coletivo.
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O processo de diálogo social abre portas e janelas capazes de possibilitar visão de futuro, definir missões e pactuar compromissos de implementação.
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Enfrentar e superar esses desafios exigem olhar de 30 anos à frente para definir missões mobilizadoras com objetivos e metas, desenhar os caminhos a serem trilhados e, fundamentalmente, começar a fazer já, aqui e agora.
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Diante dos conflitos sociais, levantamos muros, fazemos guerras e consideramos o outro como inimigo a ser destruÃdo. Depois da destruição, o que e como construir? Depois da derrota, como conviver? Os muros que levantamos nos impedem de olhar com o outro para vermos, juntos, a complexidade dos fenômenos sociais.
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O diálogo social é, portanto, ferramenta polÃtica poderosa para colocar portas e janelas onde há muros.
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O mundo do trabalho em transformação carrega agenda de tarefas complexas que são parte dos desafios acima enunciados. Fortalecer a negociação coletiva é investir em instrumentos e processos que geram a capacidade polÃtica e a arquitetura institucional para tratar das questões afetas diretamente ao mundo do trabalho no espaço do sistema produtivo.
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O fortalecimento da cultura da negociação coletiva favorece o uso do diálogo social como ferramenta para tratar dos conflitos e dos desafios em outros âmbitos.
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As mudanças tecnológicas e digitais ocorrem em velocidade e extensão que exigem resposta cotidiana, permanente procura de soluções por parte dos interessados, apresentação de pautas e demandas, elaboração de propostas e busca de soluções. No cotidiano do mundo do trabalho, a negociação coletiva é a melhor forma de promover essas diretrizes e virtudes.
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Vivemos tempo no qual tudo se desmancha no ar sem deixar de ser sólido. Desafiados a conhecer os novos contextos econômicos da vida social, nos deparamos com a modernidade do século 21 e com situações, práticas e condições do século 20.
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As mudanças disruptivas do avanço tecnológico e da digitalização, entre outras dimensões, que caracterizam a modernidade do século 21 precisam carregar a transformação disruptiva da vida e condições de trabalho do século 19 presentes e reproduzidas entre nós.
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Considerando as relações de trabalho, os processos de transformação, a complexidade do sistema produtivo, a extensão do território nacional, a diversidade setorial e de tamanho de empresas, há que fortalecer processos e sistemas de negociação coletiva capazes de serem instrumento flexÃvel, seguro, permanente, assertivo, correto e inovador para estabelecer as regras para situações e problemas inéditos e com complexidade diversa.
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Nesse sentido, cabe oferecer ao sistema de negociação coletiva a possibilidade de estruturar âmbitos negociais que atendam às demandas das partes interessadas nos diversos contextos situacionais. Os âmbitos podem por empresa, local, regional, setorial, nacional, cadeia produtiva, temático, entre outros e devem ser criados pelas partes.
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A relação entre os diferentes âmbitos de negociação requer articulação e coordenação entre os processos negociais e seus instrumentos coletivos, acordos e convenções. Processos negociais mais abrangentes (p.ex. setorial nacional, regional) criam regras mais homogeneizadoras, evitam competitividade espúria entre empresas, têm bons efeitos no combate às desigualdades salariais e de condições de trabalho.
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Processos negociais mais especÃficos, p.ex. por empresa, permitem maior flexibilidade para a adequação aos contextos produtivos especÃficos. Articular e coordenar significa estabelecer atribuições aos âmbitos, delegar, permitir. Por outro lado, acordos e convenções coletivas podem ser complementados por instrumentos como protocolos, compromissos, termos, etc., meios que permitem celebrar pactos de caráter distintos.
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Essa coordenação da negociação coletiva no espaço das relações de trabalho deve estar combinada com as polÃticas públicas de emprego, trabalho e renda, bem como com as leis e normas da legislação trabalhista.
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O sistema de relação de trabalho brasileiro tem regra de ouro, a garantia de cobertura universal dos abrangidos pelo âmbito de negociação.
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Sindicalizados e não sindicalizados são beneficiados e devem cumprir as regras estabelecidas. Temos, com a combinação das regras acima, ótimo meio de negociar a distribuição do produto econômico do trabalho coletivo segundo as caracterÃsticas de cada contexto e situação.
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Os efeitos das regras pactuadas nas negociações coletivas sobre e a realidade revelam impactos relevantes sobre os empregos, salários, condições de trabalho, saúde e segurança, bem como sobre a produtividade e o ambiente de trabalho nos espaços das empresas.
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Para que o sistema de relações de trabalho seja virtuoso, os sujeitos coletivos que o promovem devem ser muito representativos, terem ampla base de representação, serem capazes de mobilizar pautas e propostas consistentes, ter legitimidade delegada pela base para celebrar os compromissos expressos em acordos e convenções com segurança jurÃdica para as partes interessadas.
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Para que essas diretrizes deem vida ao sistema de relações de trabalho, é fundamental que as organizações sindicais estejam sintonizadas com suas próprias mudanças, com boas práticas organizativas e de solução de conflitos. No exercÃcio da autonomia das partes interessadas entre si e em relação ao Estado, promover a autorregulação sindical é a forma de delegar à s partes a responsabilidade de tratar do seu sistema sindical e desse cuidar.
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Para garantir investimento conjunto na relação de trabalho e na negociação coletiva, é fundamental que as partes interessadas criem espaço para fazerem isso em conjunto, o que poderia ser realizado por meio de conselho de alto nÃvel criado para a promoção da negociação coletiva.
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O tempo presente coloca oportunidades para abrirmos portas e janelas nos muros criados por nós. As chaves estão em nossas mãos, mas pouco valem se nos muros não houver portas.
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coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, consultor e ex-diretor técnico do Dieese (2004-2020)