A reação indignada da sociedade ao vídeo gravado na segunda-feira (2), em que um policial militar aparece arremessando um homem do alto da ponte em Cidade Ademar, Zona Sul de São Paulo, fez com que tanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, quanto o secretário de Segurança, Guilherme Derrite, mudassem de tom em relação à violência praticada por agentes públicos.
“Policial está na rua pra enfrentar o crime e pra fazer com que as pessoas se sintam seguras. Aquele que atira pelas costas, aquele que chega ao absurdo de jogar uma pessoa da ponte, evidentemente não está à altura de usar essa farda. Esses casos serão investigados e rigorosamente punidos”, escreveu o governador nas redes sociais.
Bem diferente de nove meses antes, quando, diante de denúncias de abusos na condução e mortes de inocentes ocorridas na Operação Verão, deflagrada pela Polícia Militar na Baixada Santista, Tarcisio declarou: “O pessoal pode ir na ONU [Organização das Nações Unidas], pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí“.
Sobre o PM que jogou o homem da ponte, Derrite disse que a “ação não encontra respaldo nenhum nos procedimentos operacionais da Polícia Militar” e que determinou ao comando o afastamento imediato de todos os policiais envolvidos. “Não vamos tolerar nenhum tipo de desvio de conduta de nenhum policial no Estado de São Paulo”, afirmou.
Uma fala que vai na contramão daquela que fez nove anos atrás, quando disse que “é vergonhoso” um policial não ter participação em pelo menos três mortes durante cinco anos.
Pressionados pela opinião pública, tanto Tarcísio quanto Derrite tratam a barbárie vista no vídeo como caso isolado. O aumento vertiginoso da letalidade da PM de SP e de denúncias contra abusos cometidos em áreas pobres mostram que nesse governo a truculência tem sido a regra, não a exceção.
A seguir, um levantamento da Folhapress, apenas com os casos mais recentes:
ESTUDANTE DE MEDICINA — 20.nov.24
Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, aluno do 5º ano de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi, foi morto após ser baleado na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Conforme versão oficial, o rapaz parecia agressivo e desferiu um tapa no retrovisor da viatura quando os policiais tentaram abordá-lo. Na sequência, o estudante saiu correndo e entrou em um hotel próximo. Lá, ele derrubou um dos PMs, e o parceiro efetuou um disparo, que atingiu a vítima no abdômen.
Em nota, a Secretaria da Segurança disse que tanto a PM quanto a Polícia Civil investigam a circunstância da morte do rapaz.
MENINO DE 4 ANOS ATINGIDO POR BALA PERDIDA — 5.nov.24
Ryan da Silva Andrade Santos brincava na rua com outras crianças quando foi atingido no Morro de São Bento, em Santos, litoral paulista. Ele foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos. Segundo a versão oficial, a PM fazia uma operação na comunidade e teria ocorrido um confronto com criminosos, o que moradores negam. O tiro que matou a criança partiu da arma de um policial.
A SSP afirmou em nota que “lamenta profundamente o falecimento de uma criança de quatro anos durante um confronto entre criminosos e policiais militares”.
PM MATA HOMEM NEGRO COM TIROS NAS COSTAS — 3.nov.24
Gabriel Renan da Silva Soares, de 26 anos, foi morto com tiros nas costas disparados por um PM de folga, em frente a um mercado no Jardim Prudência, na zona sul de São Paulo. Ele havia furtado produtos de limpeza. Em depoimento, o PM Vinicius de Lima Britto, de 24 anos, disse que agiu em legítima defesa.
A SSP disse em nota que o PM está afastado das atividades operacionais.
VELÓRIO EM BAURU — 18.out.24
A PM afastou um dos policiais investigados por se envolver em uma sequência de agressões a pessoas que estavam em uma sala de velório em Bauru (SP). A cerimônia era para dois jovens mortos supostamente em confrontos com PMs na véspera. Imagens gravadas por celular mostram a mãe de um deles sendo arrastada e jogada ao chão por um policial.
À reportagem ela disse que estava tentando proteger um outro filho, de 28 anos — ele teria reclamado da presença de PMs no local e, segundo a família, acabou detido com a justificativa de desacato.
A Polícia Militar disse que instaurou um inquérito para apurar a conduta dos policiais envolvidos e adotar medidas cabíveis, diz a Secretaria da Segurança Pública.
OPERAÇÕES ESCUDO E VERÃO
A Operação Escudo foi desencadeada em 28 de julho, dia seguinte à morte do soldado Patrick Bastos Reis, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). O PM foi baleado durante patrulhamento em Guarujá. Ao longo da ação, que se tornou uma marca da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) na segurança pública, 28 pessoas foram mortas.
Já a Operação Verão, que é acionada durante a alta temporada de turismo no litoral paulista, foi intensificada em fevereiro deste ano, oito dias após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, também da Rota, durante patrulhamento de rotina em Santos. Oficialmente, essa fase da operação deixou um saldo de 56 mortos na região.
Em novembro de 2024, a Justiça aceitou denúncia contra dois policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) pela morte de um homem durante a Operação Verão em Santos, no litoral paulista, em 10 de fevereiro deste ano. Trata-se da quarta denúncia de crime nas operações feitas em resposta ao assassinato de PMs na Baixada Santista durante o governo Tarcísio de Freitas, e a primeira relacionada a uma ocorrência de 2024.
Dados analisados pela Ponte Jornalismo, em reportagem de Jeniffer Mendonça, mostram que de janeiro a outubro, as polícias Civil e Militar de São Paulo mataram 676 pessoas — uma alta de 66% em relação ao mesmo período do ano passado, considerando os casos em serviço e de folga.
O número já é superior aos anos inteiros de 2023, 2022 e 2021. Os dados foram divulgados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) na sexta-feira (29/11).
O levantamento mostra que um em cada quatro assassinatos em SP foi cometido pela polícia sob Tarcísio e Derrite.
Para Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os dados são “chocantes” e houve uma institucionalização da matança como política do governo. “Esse aumento da letalidade policial não foi causado por um ou dois policiais, foi causado por uma mudança de estratégia, por uma mudança de modelo de policiamento mesmo, uma mudança de percepção do que deve ser segurança pública e de ações governamentais institucionais, organizacionais nesse sentido”, afirma.
Como os dados mostram, a barbárie praticada pelo PM que jogou o rapaz da ponte em Cidade Ademar está longe de ser um caso isolado.
Fonte: ICL Notícias