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Como a gestão Tarcísio teve influência no aumento da violência policial


09/12/2024

 

A atual crise por que passa a segurança pública de São Paulo, com os seguidos casos de violência policial, tem levantado discussões sobre os motivos que levaram a Polícia Militar a chegar a essa situação.
 
 
Segundo a Ouvidoria da Polícia, a quantidade de denúncias de agressão cometidas por policiais militares em serviço no estado registrou alta de 40% nos primeiros 11 meses de 2024, na comparação com o mesmo período de 2023. Foram 170 queixas de janeiro a novembro deste ano, contra 121 no período passado, de acordo com levantamento do órgão obtido pela Folha de S.Paulo.
 
 
Nos dois anos da gestão Tarcísio foram 1.189 notificações à Ouvidoria, sendo 618 somente neste ano.
 
 
Especialistas e ex-policiais ouvidos pela Folha dão indicações de que a atual crise tem relação direta com a forma de gestão do governador Tarcísio de Freitas e com sua escolha pelo capitão reformado da Rota Guilherme Derrite para comandar a Secretaria de Segurança Pública.
 
 
Feitos da gestão Tarcísio
Salvo conduto do secretário Guilherme Derrite
 
A reportagem conversou com oito policiais militares, da ativa ou inatividade, entre praças e oficiais, e seis deles apontaram a nomeação do secretário e as declarações feitas por ele como uma espécie de salvo-conduto para, principalmente, uso de armas nas ocorrências em que PMs se sentirem ameaçados.
 
 
Conforme esses policiais, que pediram anonimato, atualmente impera na tropa uma sensação de que investigações sobre episódios de violência não vão dar resultado enquanto o número um da segurança for o capitão reformado, que foi desligado da Rota (tropa de elite da PM) por excesso de mortes.
 
 
O motivo desse desligamento foi admitido pelo próprio secretário em entrevista a um canal do YouTube, em maio de 2021, já como deputado federal e oficial da reserva da PM paulista.
 
 
“A real é essa, simples. Pá! Tive muita ocorrência de troca de tiro, eu ia para cima. Quem vai para cima está sujeito. Troquei tiro várias vezes, uma atrás da outra e isso acabou incomodando, não sei quem, mas veio a ordem de cima para baixo, questão política: ‘tira o Derrite da Rota’. E fui convidado a me retirar”, disse Guilherme Derrite em 2021.
 
 
A nomeação de Derrite como secretário de Segurança Pública foi criticada desde o início por delegados da Polícia Civil e integrantes do Judiciário estadual. Ele foi contestado devido à sua inexperiência (tinha 38 anos), questões hierárquicas (como policial, chegou só a tenente) e de balanço político (nunca um PM foi chefe também da Polícia Civil).
 
 
Mostra desse apoio de Derrite às ações violentas, segundo os oficiais, foi vista quando ele foi à Baixada Santista para cumprimentar pessoalmente os policiais envolvidos em trocas de tiro na Operação Escudo.
 
 
 
Declarações de Tarcísio e Derrite
 
Outro fator que pode ter influenciado no aumento da violência policial no estado foram os discursos tanto de Tarcísio quanto de Derrite desde que assumiram seus cargos, em janeiro de 2023.
 
 
A declaração que marcou a posição do governador, dita em março deste ano, foi a de que não estava “nem aí” para as denúncias feitas por entidades sobre supostos abusos cometidos durante a Operação Verão da Polícia Militar, no litoral de São Paulo.
 
 
“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, ironizou Tarcísio sobre a Operação Verão.
 
 
Em seguida, negou ter recebido denúncias e voltou a defender o trabalho dos policiais. “A nossa polícia é extremamente profissional. É uma pena que toda hora as pessoas querem colocar a polícia na posição de criminosa. Não é isso, esses caras estão defendendo a gente, a nossa sociedade. Estão vestindo a farda para ir enfrentar criminoso.”
 
 
Já uma frase de Derrite durante ação letal da Rota, no início do ano passado, é apontada por policiais como um marco nesse movimento de novos tempos da PM, quando o secretário indicou que nenhum policial envolvido em MDIP (morte decorrente de intervenção policial) seria afastado das funções.
 
 
“Nenhum policial que sai de casa para defender a sociedade será injustiçado. Confrontos sempre serão apurados, mas ninguém será afastado no caso da abordagem da Rota que evitou um assalto no semáforo. Até que se prove o contrário, a ação ocorreu dentro da lei”, escreveu o secretário.
 
 
Troca no comando da PM
 
Em fevereiro deste ano, a Folha de S.Paulo mostrou que a nova configuração da cúpula da Polícia Militar, resultado da troca de 34 coronéis promovida por Derrite, apontava para um possível recrudescimento na política de segurança do estado.
 
 
Com as mudanças, os cargos mais importantes da instituição passaram a ser ocupados exclusivamente por coronéis com experiência na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), uma tropa de elite da PM paulista que ganhou fama pelo alto índice de letalidade em supostos confrontos com suspeitos.
 
 
Para especialistas ouvidos pela Folha, os movimentos do governo Tarcísio indicavam uma opção pela força bruta em detrimento da inteligência policial. A gestão afirma que as alterações fazem parte da rotina da PM, mas gerou inconformismo dentro da própria organização com as escolhas.
 
 
A decisão de Derrite que mais desagradou foi a exoneração do número 2 da corporação, o coronel José Alexander de Albuquerque Freixo, substituído pelo comandante do Choque, coronel José Augusto Coutinho. Freixo era visto como o principal defensor da PM contra as interferências políticas na instituição.
 
 
Mudança na política de afastamento de policiais
 
Outra alteração da rotina na Polícia Militar na gestão Tarcísio é em relação ao afastamento dos policiais envolvidos em irregularidades. Embora oficialmente os afastamentos não tenham acabado, na prática os PMs envolvidos em ocorrência com morte geralmente ficam apenas um dia longe das ruas, durante avaliação feita por superiores, e voltam ao trabalho quase que automaticamente, ainda conforme policiais entrevistados.
 
 
Antes da gestão Tarcísio, além dos afastamentos das ruas, que duravam em média três meses, a PM costumava transferir de batalhão os policiais envolvidos em ocorrências com suspeitas de irregularidade. Atualmente, ainda conforme a Folha apurou, isso não tem mais acontecido — exceção foram os policiais da escolta do delator do PCC morto no aeroporto de Guarulhos.
 
 
Outro ponto é que a política de pedido de prisão preventiva ou temporária dos policiais acusados de crimes praticamente foi abolida desde o início da gestão Derrite. Ela só voltou na atual crise por que passa a segurança pública.
 
 
Política de câmeras corporais
 
Durante a corrida eleitoral, em 2022, o governador Tarcísio de Freitas anunciou o interesse em acabar com o programa de câmeras corporais da PM. Após uma série de críticas, até pela redução da mortes de civis e de policiais, o bolsonarista acabou amenizando o discurso, dizendo que iria estudar mudanças, mas sem desistir da ideia.
 
 
Em janeiro deste ano, ele afirmou que os equipamentos não têm efeito na segurança da população.
 
 
“Qual é a efetividade da câmera corporal na segurança do cidadão? Nenhuma”, afirmou Tarcísio em janeiro de 2024.
 
 
Com a atual crise na segurança pública, ele mudou seu discurso. Na quinta-feira (5), ele disse que errou nas críticas e que vai se empenhar para que novos equipamentos, comprados no primeiro semestre do ano, sejam eficazes para coibir violência praticada por policiais.
 
 
Após colocar dúvidas sobre a continuidade do uso das câmeras, o governo paulista realizou em junho uma licitação para a compra de 12 mil equipamentos, que foi vencida pela empresa Motorola. O pregão motivou críticas por mudar o mecanismo de acionamento das câmeras.
 
 
Entre as especificações exigidas pelo estado para os novos aparelhos está a permissão de que o policial grave de forma intencional uma ocorrência ou que uma central da PM acione a gravação de forma remota. No modelo anterior, ainda em uso pelas tropas, elas são programadas para filmar durante todo o turno.
 
 
Redução da fiscalização
 
Além das próprias declarações de Derrite, os policiais ouvidos pela reportagem afirmam ter havido uma redução no rigor de apurações e até a falta de acompanhamento da Corregedoria nos locais de confrontos seguidos de morte, algo que existia antes e aumentava as chances de encontrar eventuais irregularidades.
 
 
Fonte: Folhapress
 
 
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